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Processos termohalinos; formação de massas de água; a termoclina sazonal


Na maioria das regiões dos oceanos, a circulação movida pelo vento, que foi o foco das discussões até agora, não atinge abaixo do primeiro quilometro dos oceanos. A renovação das águas abaixo dessa profundidade é alcançada por correntes que são guiadas por diferenças de densidade produzidas por efeitos de temperatura (termais) ou salinidade (halinos). A circulação associada é portanto referida como a circulação termohalina. Desde que esses movimentos são na sua maioria bastante lentos, é bastante improvável usar medidores diretos de correntes (correntômetros); eles são usualmente estimados pela distribuição das propriedades físicas da água e a aplicação da geostrofia.

A força motriz da circulação termohalina é a formação das massas de água. Massas de água com características de salinidade e de temperatura bem definidas são criadas em em regiões específicas por processos de superfície; elas então afundam e se misturam lentamente com outras massas de água conforme elas se movimentam. Os dois processos principais de formação de massas de água são a convecção profunda e a subdução. As duas estão ligadas à dinâmica da camada de mistura na superfície do oceano; assim, é necessário primeiro se discutir aspectos termohalinos do oceano superficial primeiro.

Figura 7.1

Os oceanógrafos se referem a camada superficial que possui propriedades hidrográficas uniformes como a camada de mistura superficial. Essa camada é um elemento essencial para a transferência de calor e água entre a atmosfera e os oceanos. Ela usualmente ocupa os primeiros 50 - 150 m mais ou menos e só chegará a maiores profundidades durante o inverno quando o resfriamento da camada superficial provoca o deslocamento convectivo da água, que por sua vez libera seu calor para a atmosfera. Durante a primavera e o verão a camada de mistura absorve calor, moderando as temperaturas sazonais extremas da Terra por armazenar calor até o próximo outono e inverno, e a camada de mistura mais profunda formada no inverno é coberta por uma camada rasa de água quente e menos pesada. Durante esse tempo, a mistura é alcançada pela ação de ondas de vento, que não podem alcançar profundidades maiores que poucas dezenas de metros. Abaixo da camada de mistura ativa existe uma zona de rápida transição, onde (na maior parte das situações) a temperatura decresce rapidamente com a profundidade. Essa camada de transição é chamada de termoclina sazonal. Sendo o fundo da camada superficial de mistura, ela se torna mais rasa na primavera e no verão, mais profunda no outono, e desaparece no inverno, quando a perda de calor da superfície produz instabilidades e a convecção resultante mistura a coluna de água até profundidades maiores (Figura 7.1). Nos trópicos, o resfriamento de inverno não é suficiente para destruir a termoclina sazonal, e a feição rasa que é as vezes chamada de termoclina tropical é mantida durante todo o ano.

A escala de profundidades desde abaixo da termoclina sazonal até cerca de 1000 m é conhecida como a termoclina permanente ou oceânica . Esta é a zona de transição desde as águas mais quentes da camada superficial até as águas frias encontradas nas grandes profundidades oceânicas. A temperatura no limite superior da termoclina permanente depende da latitude, chegando bem acima dos 20 ºC nos trópicos até bem pouco acima dos 15 ºC em regiões temperadas; no limite inferior as temperaturas são uniformes em torno de 4 - 6 ºC dependendo do oceano em questão.

Figura 7.2

Abaixo da camada de superfície que está em contato permanente com a atmosfera, as propriedades temperatura e salinidade são ditas conservativas, i.e., elas somente podem ser alteradas por mistura ou advecção. Todas as outras propriedades como o oxigênio, nutrientes e etc, são afetadas por reações químicas ou processos biológicos e são portanto, não conservativas. As massas de água podem assim ser identificadas pelos seus pares temperatura-salinidade (T-S) (Figura 7.2).

A formação de massas de água profundas por convecção ocorre em regiões com pouco estratificação de densidade (i.e., na maior parte das regiões polares e sub-polares). Quando a água na camada de mistura se torna mais densa que a água sob ela, ela descende a profundidades bem grandes, e em algumas regiões, chega até ao fundo. O aumento em densidade pode ser alcançado por resfriamento ou por um aumento em salinidade (tanto por evaporação como pelo acréscimo de sais no entorno de áreas com formação de gelo), ou ambos.

Figura 7.3

A formação de massas de água por subdução ocorre principalmente nas regiões subtropicais. Aqui, as águas ao fundo da camada de mistura é bombeada para baixo pela convergência formada no transporte de Ekman e descende lentamente ao longo de linhas de densidade constante (Figura 7.3).

A Figura 7.4 nos dá um sumário das massas de água que existem no oceano global. A Água Antártica de Fundo é formada principalmente no Mar de Ross e de Weddell por convecção profunda e preenche as bacias oceânicas abaixo dos 4000 m de profundidade; no Oceano Pacífico e no Oceano ndico ela se mistura com a gua Profunda do Atlântico Norte, e a mistura é conhecida como gua Circumpolar. A Água Profunda do Atlântico Norte é o resultado de um processo que envolve convecção profunda no Oceano Ártico, no Mar da Groenlândia e no Mar do Labrador. A maior parte da Água Intermediária Antártica é formada por convecção profunda ao sul do Chile e na Argentina e se espalha por todos os oceanos na Corrente Circumpolar Antártica. A Água Intermediária no hemisfério norte pode ser formada tanto por convecção como por subdução. A Água Central, aquela massa de água da termoclina permanente, é formada por subdução nos subtrópicos. Tanto a Água do Mediterrâneo como a Água do Mar Vermelho são intrusões de águas quentes e com alta salinidade dos dois mares mediterrâneos (veja a discussão dos mesmos abaixo).

Figura 7.4

Vale a pena enfatizar que a imagem que estamos desenvolvendo nessa discussão tem uma natureza bastante esquemática. Os oceanos reais são fluídos em movimento turbulento, e contêm muitos vórtices, frentes e outras instabilidades. Também é importante manter em mente que existe uma considerável movimentação zonal (na direção leste-oeste) em cada bacia oceânica, e que as distribuições ilustradas na Figura 7.4 não diferenciam as variações que podem ocorrem entre as costas leste e oeste. Todavia, os diagramas são corretos e adequados como um sumário das principais feições da distribuição de massas de água nos oceanos globais.

Figura 7.5

Um sumário das características TS de todas as massas de água é dado na Figura 7.5. A Água Antártica de Fundo está representada por um único ponto TS (na porção branca da escala de salinidade). A Água Intermediária Antártica também possui seu próprio ponto TS mas é geralmente observada nos diagrama como um mínimo de salinidade na curva TS; o mínimo é lentamente erodido pela mistura com a Água Intermediária na medida que a última migra para o norte. (Figura 7.6). As Águas Centrais estão representadas por curvas TS e não por pontos únicos ( compare com a Figura 7.3).

Figura 7.6

Uma descrição completa dos movimentos das massas de água requerem a distribuição de propriedades em seções na horizontal e também na vertical, bem como diagramas TS. Com isso podemos observar, particularmente para o caminho em que a Água Antártica de Fundo se desloca, os efeitos da topografia. Por exemplo, as bacias profundas no leste do Oceano Atlântico se separam do Oceano Austral por uma passagem estreita, e assim não conseguem receber a Água Antártica de Fundo diretamente. Essas bacias a recebem através de uma falha nas Cadeias Meso-oceânicas próximo ao equador, conhecida como Zona de Fratura de Romanche; em outras palavras, o fluxo da Água Antártica de Fundo no Atlântico Sul é em direção ao sul, desde o equador até o pólo. No Oceano Pacífico, a entrada de Água Antártica de Fundo ocorre principalmente ao longo de 170ºW (leste da Nova Zelândia), seguida por um espalhamento a leste e depois a oeste no hemisfério norte; a recirculação para dentro do Oceano Austral ocorre no leste. As entradas para o Oceano Índico ocorrem em maior quantidade do oeste, com menores parcelas vindo de leste.

Circulação nos Mares Mediterrâneos

Os mares Mediterrâneos são grandes corpos de água que se caracterizam por uma troca bastante restrita de água com as bacias oceânicas maiores. Isso resulta numa hidrodinâmica bem diferenciada do restante dos oceanos globais. Enquanto a maior parte dos oceanos é dominada por correntes guiadas pelo vento, a circulação nos mares mediterrâneos é dominada por processos termohalinos. Dois tipos de circulação podem ser diferenciados, a bacia de concentração e a bacia de diluição. As bacias de concentração ocorrem aonde a evaporação na região excede a precipitação; esses são portanto as vezes chamados de mares mediterrâneos áridos. Os exemplos são o Mar Mediterrâneo, o Mar Vermelho e o Golfo Pérsico. As bacias de diluição ocorrem aonde a precipitação e a descarga dos rios excedem a evaporação; essas são conhecidas como mares mediterrâneos úmidos. Os exemplos são o Mar Negro, o Mar Báltico e o Mar Autralianos-Asiáticos ( os mares do arquipélago da Indonésia).

Figura 7.7 - 7.8 - 7.9

A circulação nos mares mediterrâneos e suas trocas de massas de água com o restante dos oceanos diferem estritamente entre esses dois tipos (7.7). Em bacias de concentração (Figuras 7.8, 7.9), a evaporação aumenta a salinidade nas águas de superfície, aumentando sua densidade e produzindo convecção. A renovação da água profunda é portanto um processo quase contínuo, a as águas da bacia são bem ventiladas (ou seja, têm concentração de oxigênio relativamente alta) em todas as profundidades.

Figura 7.10

Em bacias de diluição, a água de superfície tem salinidade reduzida pelo excesso de chuvas e descargas de rios, o que reduz a densidade das águas de superfície. Isso faz com que as águas não cheguem em profundidade. O resultado é uma camada superficial menos densa separada do restante por uma forte haloclina. A água abaixo da haloclina é renovada muito lentamente por mistura através da haloclina e por fluxo de águas oceânicas pelos estreitos de conexão. Como discutido na Aula 5, o oxigênio em profundidade é consumido pela remineralização dos nutrientes. A concentração de oxigênio é portanto bem baixa quando a ventilação ativa é inibida pelo forte e estável haloclina (Figura 7.10). Se as bacias são grandes e se a troca de água com o oceano aberto é restrita, os níveis de oxigênio podem chegar a zero, não permitindo a existência de formas de vida marinha maiores. Esses condições são ocasionalmente observadas no Mar Báltico. O Mar Negro, que tem mais de 1500 m de profundidade, é desprovido de oxigênio abaixo dos 150 m.