Por vários anos a Flinders University (Sul da Austrália) tem oferecido um curso de primeiro ano na disciplina "Ciências da Terra", que é dividida em duas partes. O tópico do primeiro semestre, Ciências da Terra 1A, tem como conteúdo a localização da Terra no universo, aspectos de sua geologia, e uma introdução de sua geofísica e hidrologia. Meteorologia e Oceanografia são os assuntos cobertos no segundo semestre, em Ciências da Terra 1B.
Começando em 2000 os dois tópicos foram fundidos em um único, chamado de Ciências da Terra 1, e continuou com os mesmo conteúdos de antes no primeiro semestre, e no segundo iniciamos Ciências Marinhas que ainda contém um extenso material em meteorologia e oceanografia física, mas que também cobre alguns aspectos elementares e introdutórios de biologia marinha.
Essas notas representam a porção sobre a oceanografia física. Existem ainda, duas aulas adicionais introdutórias e resumidas, que colocam tanto a oceanografia como a meteorologia no contexto das ciências exatas; elas são uma versão resumida das primeiras duas aulas do curso, dadas no primeiro semestre.
Meteorologia e oceanografia são ciências físicas, e se propõe a compreender os processos que ocorrem no ambiente, e assim, descrever, analisar e predizer os mesmos de uma maneira quantitativa.
Uma maneira comum de se expressar processos quantitativamente é utilizando o conceito de ciclos e orçamentos.
Em escalas de tempo geológicas, todos os processos que ocorrem na Terra estão baseados na idéia de que existe um reservatório constante de materiais.
As formas nas quais os materiais estão presentes mudam constantemente. Em um estado de equilíbrio, estas mudanças tem de ser cíclicas.
O conceito de ciclos expressa esse princípio de equilíbrio de uma maneira quantitativa. O conceito de orçamentos (em inglês budgets) faz com que os ciclos sejam quantitativos por associarem taxas de mudanças entre os diferentes estados.
Essa aula discute quatro exemplos.
A Terra é o único planeta do sistema solar aonde a água na forma líquida é encontrada na superfície. A água é a única substância que, sob a gama de pressões e temperaturas que a Terra é exposta, está presente na fases líquida, gasosa e sólida. O ciclo da água é portanto de importância fundamental para vários processos que são exclusivos da Terra. Em comparação, os planetas mais afastados do sol no sistema solar (Saturno, Júpiter, Urano, Netuno e Plutão) assim como suas luas, são muito frios para terem água em outra forma que não seja gelo. Já os planetas mais próximos do sol (Mercúrio e Vênus) são muito quentes, e contém água apenas na forma de vapor. Marte é na atualidade muito frio para conter água em estado líquido, mas em algum ponto de sua história pode ter contido água líquida em sua superfície. No estágio atual de desenvolvimento do sistema solar, a Terra é o único planeta que contém água em todas as suas possíveis fases.
Similar a vários outros ciclos, o ciclo da água une processos que atuam no mundo vivo e não vivo: a precipitação e a evaporação dos oceanos ligam os oceanos e a atmosfera; a evaporação nos continentes e a transpiração das vegetações ligam a atmosfera com a biosfera.
No contexto da meteologia e da oceanografia o efeito da biosfera é quantitativamente expresso como um único processo, a evapo-transpiração. O ciclo da água assim, representa um componente básico do sistema combinado oceano-atmosfera.
A cada ciclo existe um orçamento associado. Os ciclos representam uma descrição qualitativa dos processos, já os orçamentos os tornam manifestações quantitativas. Nós fazemos distinção entre orçamentos estáticos, que sintetizam o quanto de um material em particular está disponível e como ele é distribuído entre os diferentes compartimentos, e orçamentos dinâmicos, que quantificam quão rápido esse material se move entre os diferentes compartimentos. Ciclos definem o processo; orçamentos nos permitem responder perguntas como por exemplo: "Como o ciclo da água é afetado se uma determinada porcentagem de mata nativa rasteira for desmatada e substituída por culturas de trigo".
A distribuição da água na Terra (o orçamento estático); esse orçamento mostra aonde a água é encontrada:
Região | Volume (103 km3) | % do total |
---|---|---|
oceanos | 1.350.000 | 94,12 |
lençol freático | 60.000 | 4,18 |
gelo | 24.000 | 1,67 |
lagos | 230 | 0,016 |
umidade do solo | 82 | 0,006 |
atmosfera | 14 | 0,001 |
rios | 1 | - |
Baseado em M. J. Lvovich: World water balance; in: Symposium on world water balance, UNESCO/IASH publication 93, Paris 1971. |
O orçamento estático demonstra a importância das camadas de gelo no ciclo global da água: Qualquer mudança nas condições da atmosfera ou dos oceanos que venha a liberar uma quantia significativa da água que presentemente está armazenada como gelo, irá produzir uma mudança grande no ciclo da água. A atmosfera parece insignificante comparativamente. Todavia, o papel importante da atmosfera se torna claro quando o orçamento dinâmico é considerado.
As ramificações do ciclo da água na Terra (o orçamento dinâmico); esse orçamento mostra como a água se move entre a atmosfera e a hidrosfera:
Processo | Quantia (m3 por ano) |
---|---|
precipitação no oceano | 3,24 . 1014 |
evaporação do oceano | -3,60 . 1014 |
precipitação nos continentes | 0,98 . 1014 |
evaporação dos continentes | -0,62 . 1014 |
ganho líquido dos continentes = descarga dos rios | 0,36 . 1014 |
O fluxo do orçamento demonstra que a maior parte da troca de água entre os compartimentos ocorre entre o oceano e a atmosfera, e assim a atmosfera é um elemento extremamente dinâmico desse sistema, apesar da pequena quantia de água nela presente num dado tempo. Em escala de tempo de décadas, a troca de água entre os oceanos e a atmosfera é equivalente ao total de água armazenada sob forma de gelo.
O ciclo do sal envolve o oceano e a litosfera, e tem uma pequena participação da atmosfera.
Os minerais são lixiviados das rochas pelo lençol freático e pela erosão na superfície. Eles entram nos rios, e destes seguem para o oceano, aonde acumulam fazendo a água do mar salgada. Os sais são removidos da água e entram no sedimento através de ações químicas.
O sedimento é usado para formar novas rochas o que trás os minerais de volta para a litosfera.
Sais entram na atmosfera como borrifos formados em ondas ou pela ação dos ventos. Isso pode ser carregado para a terra, constituindo um caminho possível, mas bem pequeno, do ciclo dos sais desde os oceanos até os continentes.
Já que o ciclo dos sais opera em escalas de tempo muito grandes, o estabelecimento de um orçamento estático dos sais não tem muita relevância para a oceanografia.
Como dito anteriromente, estabelecer um orçamento do fluxo de sais tem pouca importância em oceanografia. A tabela abaixo dá uma idéia das escalas de tempo envolvidas:
Elemento | Abundância na crosta(%) | Tempo de residência (anos) |
---|---|---|
alguns constituintes maiores do sal marinho: | ||
sódio (Na) | 2,4 | 60.000.000 |
cloro (Cl) | 0,013 | 80.000.000 |
magnésio (Mg) | 2,3 | 10.000.000 |
alguns elementos traço do sal marinho: | ||
chumbo (Pb) | 0,001 | 400 |
ferro (Fe) | 2,4 | 100 |
aluminio (Al) | 6,0 | 100 |
O conceito de salinidade é assunto da aula 3.
Nutrientes são essenciais para a vida vegetal e animal. Eles atravessam um ciclo terrestre e oceânico.
Em terra, os nutrientes são absorvidos dos solos pelas plantas e retornam ao mesmo pela a decomposição da matéria orgânica morta. Este é um ciclo que se fecha numa escala de tempo relativamente pequena, determinada pelo processo de decomposição e os tempos de vida das plantas, animais e humanos. Em sociedades humanas desenvolvidas o ciclo é apenas quebrado pela tomada de nutrientes nas populações de grandes cidades, que não são retornados para a terra, mas sim despejados nos sistemas de esgotos. A perda resultante desses nutrientes pela agricultura é compensada pela importação de fertilizantes minerais retirados dos reservatórios na litosfera.
Essa influência humana introduz um elo com um ciclo de nutrientes em uma escala de tempo bem maior, determinada pela formação dos depósitos minerais. A situação é similar àquela que será discutida abaixo com o ciclo de carbono mas não tem as mesmas conseqüências imediatas; o aumento de nutrientes disponíveis para o rápido ciclo de nutrientes no qual dependem tanto a agricultura como os processos da vida é bastante gradual, e uma grande porção da entrada de nutrientes é removida do ciclo para os oceanos.
No oceano a absorção de nutrientes pelas plantas ocorre nas camadas superficiais que são iluminadas pela luz do sol e aonde a fotossíntese é possível. A maior parte dos nutrientes é removida da zona eufótica e transferida para as camadas mais profundas, já que os organismos mortos tendem a sedimentar para o fundo dos oceanos, aonde eles saem do rápido ciclo de nutrientes. Nas camadas mais fundas, a matéria orgânica é remineralizada, quer dizer, nutrientes são mais uma vez disponibilizados em forma dissolvida. Assim, o oceano não é capaz de manter ecossistemas com alta produtividade, a não ser nos locais aonde os nutrientes remineralizados das camadas profundas são trazidos para a zona eufótica, nas chamadas regiões de ressurgência. O ciclo dos nutrientes será discutido em maior detalhe na Aula 5, e o processo de ressurgência na Aula 6.
O ciclo do carbono opera naturalmente em duas escalas de tempo extremamente diferentes. Este envolve os oceanos, a atmosfera, a litosfera e a biosfera.
Numa escala de tempo geológica o carbono é liberado para a atmosfera e para o oceano através do intemperismo de rochas calcárias. O carbono retorna para esse vasto reservatório como novas rochas que são formadas por deposição sedimentar.
Numa escala de tempo bem menor escalas de tempo climatológicas, o carbono é constantemente trocado entre a atmosfera, os oceanos e os organismos vivos e mortos.
O ciclo do carbono inclui as duas escalas de tempo, mas para propósitos mais práticos, o orçamento e o fluxo do carbono geralmente excluem as escalas de tempo geológicas.
Essa separação entre as escalas de tempo tem sido significativamente perturbada através do uso de combustíveis fósseis. A sua queima adiciona dióxido de carbono na atmosfera o que faz com que a sua capacidade de reter calor absorvido da energia solar seja também aumentada (o chamado efeito estufa). As tabelas abaixo apresentam estimativas atuais do orçamento e do fluxo orçamentario do carbono:
Região | Quantia (Gt carbon; 1 Gt = 1015 g) | |
---|---|---|
antes das mudanças antropogênicas | depois das mudanças antropogênicas | |
plantas terrestres | 610 | 550 |
solo e humus | 1,500 | sem mudança |
atmosfera | 600 | 750 (+3,4 por ano) |
oceano superficial | 1000 | 1020 (+0,4 por ano) |
vida marinha | 3 | sem mudança |
carbono orgânico dissolvido | 700 | sem mudança |
oceano profundo e a meia profundidade | 38000 | 38100 (+1,6 por ano) |
de | para | quantia (Gt carbono por ano; 1 Gt = 1015 g) | |
natural | antropogênico | ||
atmosfera | plantas terrestres | 100 (a) | |
oceano | 74 (d) | 18 | |
plantas terrestres | atmosfera | 50 (a) | |
soil and humus | 50 (a) | ||
solo e humus | atmosfera | 50 (a) | |
desmatamento | atmosfera | cerca de 1,9 | |
combustíveis fósseis | atmosfera | cerca de 5,4 | |
perdas nos oceanos | oceano superficial | 0,4 | |
oceano profundo e a meia profundidade | 1,6 | ||
rios | oceano | 0,8 | |
oceano superficial | atmosfera | 74 (d) | 16 |
vida marinha | cerca de 40 (b) | ||
oceano profundo e a meia profundidade | 90 (c) | 5,6 | |
vida marinha | oceano superficial | cerca de 30 (b) | |
oceano profundo e a meia profundidade | 4 (b) | ||
carbono orgânico dissolvido | 6 (b) | ||
carbono orgânico dissolvido | oceano profundo e a meia profundidade | 6 (c) | |
oceano profundo e a meia profundidade | oceano superficial | 100 (c) | |
sedimento | 0.13 |
A definição de vários ciclos, como o da água, dos sais, dos nutrientes e do carbono, é uma maneira útil de se descrever o equilíbrio que resulta de um balanço de forças.
>Orçamentos e fluxos de orçamentos transformam o conceito de ciclos em manisfestações quantitativas.